O QUE FOI A REFORMA PROTESTANTE E QUAL A SUA RELEVÂNCIA HOJE? (PARTE 1/4)

Introdução: O dia 31 de outubro de 1517 entrou para a História como o dia que deu origem à Reforma Protestante. Essa data é importante não por conta dos reformadores, mas por lembrar das bases da nossa fé, e da necessidade de vigilância constante sobre o que temos praticado e ensinado em nossas igrejas.

Muitas pessoas desavisadas ou mal-informadas dizem que o termo “Reforma” da margem ao catolicismo (“porque reformar é apenas fazer retoques ao invés de romper”) ou à libertinagem (“porque incentiva as pessoas a sempre estarem acrescentando ou tirando coisas do cristianismo”). Mas essa postura ignora a origem do termo “reforma” e o contexto em que os primeiros protestantes a utilizaram. “Reforma” pressupõe “deforma”, reforma nada mais é do que um retorno à forma original. Nos primeiros anos, talvez até meses, da igreja primitiva é possível ver que a igreja recém-formada já dava sinais de deformação, por isso as cartas e foram escritas, para orientar a teologia e prática das igrejas locais (lembrando que teoria e prática devem sempre andar juntas). A Reforma do século XVI foi uma tentativa de retorno à Palavra de Deus, e levar a igreja de volta à forma que Jesus e os apóstolos deixaram.

Algum tempo depois da Reforma um teólogo holandês usou uma frase que ficou muito conhecida na história da igreja: “ecclesia reformata, semper reformanda secundum verbum Dei” tradução: A igreja reformada, sempre se reformando segundo a Palavra de Deus. Muitos hereges cortam essa frase deixando apenas “A igreja reformada, sempre se reformando” para justificar ensinos que a Bíblia claramente condena. Mas a ideia verdadeira de “Reforma” é que devemos olhar para a Bíblia e analisar a nossa vida. Portanto, nem a Bíblia e nem a igreja de Cristo precisam de “atualizações” ou de recortes para se encaixar em nosso tempo.

A Bíblia é suficiente, inerrante, infalível e eterna. Por isso devemos anunciá-la com toda sua inteireza, autoridade e beleza. Boa parte do que foi a Reforma se concentrou em traduzir bíblias e pregá-las na linguagem do povo, foi A Palavra que fez tudo. Outra lição importante é que devemos anunciar o evangelho aos perdidos e não simplesmente debatermos teologia. Os reformadores eram antes de tudo pregadores da Bíblia, pregadores do evangelho. Há uma analogia muito interessante que diz que pregar é servir um prato para uma visita que está na sua casa, e que todos os estudos teológicos são a forma como preparamos o prato. Pessoas famintas não precisam saber como se prepara arroz, feijão, churrasco, lasanha, tempera a salada ou coisa do tipo. Elas precisam comer. E quando estiverem saciadas aí sim se interessarão em preparar o próprio alimento da próxima vez. Quando pregamos uma mensagem “temperada” de boa teologia isso fortalecerá as pessoas, e pessoas fortes tem condições de aprender os “preparos” da teologia. Precisamos expor as doutrinas antes de darmos aula de teologia. E como disse Lutero: "A paz se possível, mas a verdade a qualquer preço".

VOLTANDO NO TEMPO

Depois da descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes a igreja foi crescendo cada vez mais e enfrentando muitas oposições. No Século IV, a partir de Constantino, o Cristianismo passou a ter um pouco de paz e mais tarde virou religião oficial do império e depois se tornou quase uma religião estatal. Foi neste período que surgiu de fato a ICAR: Igreja Católica Apostólica de ROMA, capital do império. As pessoas daquela época não tinham noções de estado laico ou de uma religião paralela e separada do império (estado), por isso os cristãos levaram um tempo para perceber que essa não era uma união saudável. Essa mistura de interesses resultou também na criação de “novas doutrinas” aquém da Bíblia.

É válido destacar que desde os primeiros séculos da era cristã diversos movimentos saíram ou tentaram mudar a igreja oficial (que buscava permanecer unida), alguns por motivos justos e outros não. Mas nenhum deles conseguiu a força e a repercussão que a Reforma (ou reformas) do século XVI tiveram. Podemos afirmar com certeza que a ICAR nunca foi a única representante do Cristianismo na Terra.

ANTECEDENTES DA REFORMA. 

Crises e mais crises. Fatores que marcaram profundamente a Europa nos anos que precederam e sucederam o início da Reforma Protestante:

Crise do conhecimento (epistemológica) ou cientifica: A afirmação do Heliocentrismo (modelo que coloca o sol no centro do sistema solar, e consequentemente faz a Terra girar em torno dele e não o contrário) e o descobrimento da América, além de instigar as pessoas a questionarem grandes verdades e dogmas. A ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) havia defendido o geocentrismo durante muitos anos, e criado explicações geográficas a partir da Bíblia, como mapas e documentos mostrando que os três filhos de Noé haviam formado Europa, Ásia e África, porém não mencionavam nada sobre a América.

Crise política: A nova conjuntura social enfraqueceu o antigo sistema feudal e gerou atrito entre os nobres e o clero (surgimento dos Estados Nacionais). Esse assunto é muito complexo, mas podemos resumir dizendo que os reinos e autoridades locais passaram a ter uma força muito grande. A Europa não era mais um império centralizado em Roma, de um lado muitas autoridades queriam autonomia em seu território, do outro a ICAR fazia pressão externa através do papado e pressão interna através das igrejas espalhadas pelo velho continente. Além disso, os monarcas estavam insatisfeitos com os tributos que eram enviados a Roma ao invés de serem revertidos para suas respectivas localidades.

Renascentismo (ou Renascimento): Valorizou o passado, a filosofia clássica e o estudo da Bíblia em seus idiomas originais. O novo testamento foi escrito em grego koiné, e essa “crise” na educação e cultura levou muitas pessoas, inclusive clérigos, a olharem para o passado, para a Bíblia e para os ensinos dos primeiros cristãos que sucederam os apóstolos (conhecidos como Pais da Igreja).

Invenção da prensa móvel: Facilitou a cópia, tradução e divulgação da Bíblia e dos escritos dos Reformadores. Mesmo que a tecnologia da época seja muito diferente da atual, a “Prensa de Gutenberg” foi uma das maiores invenções da história. Era a substituição da pena de escrever pelas máquinas, a prensa foi sinônimo de mais velocidade, quantidade e facilidade.

Crise religiosa: Como já dissemos, a ICAR não era a única manifestação do cristianismo na Terra, e já havia críticas e movimentos paralelos muitos anos da Reforma. Menos de duzentos anos antes do início da Reforma três grandes movimentos religiosos foram extremamente fortes e relevantes, inclusive os ensinos desses homens conhecidos como “Pré-Reformadores” perduraram até a Reforma e o de alguns perdura até hoje. Os Pré-Reformadores foram:

⦁    John Wycliffe na Inlgaterra (1329 – 1384)

⦁    John Huss na Rep. Tcheca (1369 – 1415)

⦁    Jerônimo (Girolamo) Savonarola na Itália (1452 – 1498)


Além das questões levantadas por esses homens, todos eram foram membros do clero, Jerônimo e Huss foram martirizados, Wycliffe sofreu um ataque enquanto dirigia uma reunião na igreja, mas anos após sua morte seu tumulo foi aberto, seus ossos queimados, suas cinzas jogadas no rio e foi declarado como herege. A repercussão do fim desses homens não foi nada boa e certamente isso acabou protegendo Lutero e cia de sofrerem penas parecidas.



André Félix Augusto
Professor de Teologia Sistemática